SOBRE O AUTOR
Engenheiro, hoje com 90 anos, dediquei grande parte de minha vida, de forma intensa e apaixonada, a duas atividades bem distintas: o gerenciamento e a implantação de grandes empreendimentos industriais e o fazer artístico. A primeira teve por primazia a materialidade, o concreto, o planejado, em resumo, o real. A segunda era o oposto – dispensa qualquer planejamento e flui de modo sutil e natural. De onde vem, não descobri, mas sei que conversa e prende o artista no seu afazer até diligentemente completá-la. Nunca me esqueço da noite em que comecei a rabiscar despretensiosamente num canto de uma folha de papel algo que parecia sem significado e que, com o desenrolar do tempo, foi tomando forma e, como que conversando comigo, obrigou-me a terminá-la às sete da manhã do dia seguinte. E não ficou só nisso. Forçou-me nos dois dias subsequentes a concluir mais dois desenhos que foram inscritos numa seleção para o Salão Nacional de Arte Moderna e me tornou um artista autodidata. A convivência com essas duas vertentes da vida: material e a artística não se dá sem traumas. Para conhecer melhor minhas experiências e objetivos, continue abaixo.
Sem data, posto que toda arte é feita para ser eterna
Henrique Azevedo
Preparação para vida
Nunca recebi estímulos para aprender a fazer arte ou desenvolver qualquer aptidão nesse campo tão rico da formação humana. A carreira artística, pelo contrário, era vista de forma negativa, um caminho com poucas chances de sobrevivência profissional. Acabei me direcionando para a área técnica e me formando em engenharia. Nada a reclamar quanto à escolha. No exercício dessa atividade, fui muito feliz e pude vivenciar momentos gratificantes de realização profissional.
Primeiras experiências
A par da qualidade de apreciador do belo e do que me emocionava, sempre tive também a curiosidade de descobrir como produzir tais sensações. Assim, quando senti o primeiro prazer de experimentar fazer arte, tudo se complicou. A experiência se deu numa madrugada, à luz de uma lâmpada vermelha, num laboratório fotográfico improvisado num cômodo da casa, ao ver surgir, lentamente, dentro de uma bandeja com revelador fotográfico e, iluminada pelo ampliador, uma imagem em preto e branco, resultado de uma foto tirada com uma Rolleyflex no fim dos anos 1950.
Novos estímulos
Cerca de dez anos depois, passei por experiência semelhante que deixou marcas internas ainda muito mais profundas: vi um conjunto de três desenhos a nanquim, produzidos em três tardes e madrugadas sucessivas e frias de inverno, serem selecionados para uma exposição coletiva do XVI Salão Nacional de Arte Moderna em 1967, exposição essa que aprovou apenas 8,2% dos trabalhos inscritos em todo o Brasil.
Período áureo
Desse data em diante, disparei num frenesi de participações em coletivas por todo o país e passei do nanquim para a xilogravura. Nesse embalo, estive presente nos dois Salões Nacionais subsequentes, na Bienal da Bahia em 1968, no Salão de Verão do MAM do Rio, na Gravura Brasileira do Museu Histórico do Rio e, fiz dezenas de outras participações pelo país. Comecei a sair da invisibilidade por críticos de arte e até por curadores de arte do MOMA, em visita ao Brasil na época. Era o período áureo da Pop Art no mundo.
Conflito
Estava assim implantado em mim um sério conflito íntimo. Vivenciei o problema no dia em que, ao chegar no trabalho, onde gerenciava um importante empreendimento, me dei conta de estar mais preocupado com o projeto de arte que desenvolvia em casa do que com aquele pelo que era profissionalmente responsável. Estava realmente numa encruzilhada e na obrigação de ter de tomar uma decisão sobre o caminho a seguir. Estava casado e tinha três filhos. Constatei também que não havia nascido para ser um Gauguin, que, ao confrontar-se com situação semelhante, mandou tudo às favas, família, emprego e tudo mais e, se refugiou no Tahiti. Traumaticamente resolvi de forma diferente. E o trauma me consumiu pelas décadas subsequentes até 1994, quando me aposentei.
Mudança de rumo
Assim, a partir de 1970, cortei todo meu envolvimento com os circuitos de exposições e, passei, como consolo, a me interessar pela arte digital, mais caseira e menos espetaculosa, a desenvolver com o auxílio do computador, inúmeros trabalhos gráficos experimentais, percorrendo variadas formas de expressão.
Comentários finais e novos objetivos
Bem recentemente, resolvi mostrar o resultado de décadas de pesquisas, com as novas ferramentas e relatar algumas constatações óbvias – uma negativa, que o resultado do trabalho artístico digital não guarda as marcas pessoais do artista, o que permite que ele seja apropriado e usado por terceiros. O surgimento da tecnologia blockchain para as criptomoedas, abre um horizonte de esperança para essa questão, mediante a possibilidade de registro e cadastramento dessas obras como NFTs – Non Fungible Tokens, tornando-as assim peças originais e, o seu autor beneficiar-se dos direitos autorais. Por outro lado, uma positiva, o campo de recursos para criação artística cresceu infinitamente, tornando possível a uma obra de arte ser fruto, até, de uma criação coletiva.
Por tudo que expus, resolvi criar este site. Ambiciono também, dar um passo em direção à uma maior utilização dos recursos digitais disponíveis, tais como, o de agregar à certas imagens, animações e conteúdos de áudio e, assim, expressar com mais riqueza a verdade de suas mensagens. Nesse sentido fiz duas experiências videográficas que constam do conteúdo deste site. Afora tudo que já expus, fiz também uma exposição individual no Palacete das Artes – Museu Rodin em Salvador,em 2013, e participei, em 2019, de duas coletivas de arte gráfica nos Estados Unidos, em Los Angeles, no LADA – Los Angeles Digital Art Center.
A embaixadora, poeta e crítica de arte Vera Pedrosa à propósito de meus trabalhos expostos na Web, assim se pronunciou, em mensagem enviada à um amigo comum:
"Fernando, Salut!
Vi com atenção as diversas linhas de trabalho de seu amigo Henrique, que se destacam de saída pela minuciosidade e pela precisão, suponho que associadas à sua formação e vertentes científicas. Logo de início, sem ver o currículo, pensei que o trabalho tivesse surgido menos da experiência artística - por lhe faltar o elemento "painterly" - que dos jogos visuais e das percepções cerebrais a incidirem sobre as novas modalidades de artes gráficas, cinematográficas, de publicidade, as técnicas multimídias - ou as que delas decorrem ou que entre si se alimentam . Quando vi o currículo, entendi que partiu da xilogravura, e, portanto, de um fazer manual e que sua aventura seria, talvez, a de conferir humanidade e quem sabe calidez à criação por computador.
Como não conheço o suporte dos trabalhos e só os vi no computador, não sei como reagiria diante deles. Seriam impressos em papel ou outro suporte? Projetados? Luminosos, imensos? Ou caixas a serem colocadas sobre uma mesa, uma parede?
Em todo caso, há um virtuosismo extraordinário e, me parece, grande beleza , refinamento e variedade nas experiências geométricas (Caixas, boxes, efeitos, esferas). Não faço idéia de como consegue obter esses resultados, que senti como os mais interessantes entre as diversas séries.
. As experiências (Estudos), em cor, que parecem abstrações cubistas são bonitas, mas provavelmente teriam mais calor e imediatez se fossem, realmente, telas pintadas a mão.Se forem impressas, penso que terão aparência de reproduções. Se forem projetadas, o efeito seria outro, que desconheço.
Não me atraíram as interferências sobre fotografias em cor com modelos humanos, salvo se forem estudos para aplicação em filmes, vídeos, documentários ou outras "instalações". Os outros trabalhos coloridos com flores e demais temas têm algo de muito atual, muito "now", pop e mangá, algo que está na crista da onda (a atual obra de Vic Muniz, Beatriz Milhazes) mas que vejo mais como uma vertente comercial, para aplicação em objetos, tecidos, roupas, painéis de decoração, que como uma pesquisa "artística". Embora os tecidos tradicionais e os produtos utilitários étnicos sejam tantas vezes verdadeiras obras de arte, a massificação obtida pela reprodução ilimitada despersonifica o trabalho. No caso do Henrique, os "geométricos", entes da razão sensível, não sofrem desse distanciamento entre o "tema" e o fazer. Não sentem a ausência da mão, do calor, da respiração do artista. Valem por si sós, como são, muito belos e impressionantes. Às vezes até mesmo surpreendem por vertiginosos e assustadores.
Escrevo com simplicidade e, talvez, um certo conservadorismo, saudosa que sou do corpo a corpo do artista com o meio imediato.
Bjs, Vera
Rio de Janeiro, 30 de julho de 2013.